Helen de Cruz, uma filósofa com um passado em artes fez um post mostrando alguns de seus trabalhos. Os filósofos usam experimentos de pensamentos, histórias curtas que trazem à tona intuições. É frequentemente impossível de fazer esses experimentos na vida real, mas fazê-los em nossa cabeça pode nos ensinar algo sobre a natureza da realidade, sobre o certo e o errado, sobre a existência de Deus, e muitos outros tópicos.
Nessa série, ele trouxe alguns experimentos de pensamentos de vida de diferentes tradições. Todos os desenhos foram feitos com o Paper 53, um programa de desenho do iPad, usando a Apple Pencil Stylus.
O tom de azul ausente
O experimento: um homem havia visto todas as cores, exceto um tom específico de azul. Apesar disso, ele havia visto outras graduações dessa cor. Se ele fosse arranjá-las em sua mente, ficaria claro que tem algo faltando. Seria ele capaz de completar o vazio usando apenas a sua imaginação?
Significado: Hume criou esse experimento como um exemplo de sua ideia de que aprendemos sobre o mundo através da experiência. Sendo esse o caso, não conseguiríamos preencher o vazio deixado pelo tom de azul, mas parece que nós podemos. Curiosamente, quando esse desenho foi apresentado para outras pessoas, elas acharam que a cor do suéter era o tom faltante, mas não é! Então talvez não seja tão fácil assim preencher a lacuna, afinal.
Fonte: Hume, D.(1748). Philosophical essays concerning human understanding. London: A. Millar.
A máquina de experiências
O experimento: essa máquina é um dispositivo especial que pode te oferecer qualquer experiência que você gostaria. Você quer ser um escritor famoso? Ou gostaria de ter muitos amigos? A máquina te faria acreditar que tudo isso estaria realmente acontecendo, quando na verdade você está boiado em um tanque, com eletrodos presos à sua mente. Você se conectaria à essa máquina por toda a sua vida? Sua vida seria pré-programada para maximizar o seu prazer, e enquanto conectado você acreditaria que tudo é verdade.
Significado: O que é felicidade? Os filósofos têm debatido essa questão, perguntando se a felicidade é mais do que o prazer. Intuitivamente, parece que o prazer é o suficiente para a felicidade. Essa posição é chamada hedonismo. Mas essa máquina desafia essa ideia. Se prazer fosse o suficiente, nos plugaríamos a essa máquina sem pestanejar. Mas a maioria das pessoas hesita. De acordo com Nozick, isso acontece porque queremos mais das nossas vidas: temos projetos e objetivos de vida, e ficar conectado à uma máquina, vivendo uma vida falsa, não é uma forma de alcança-los. Isos parece sugerir que o hedomismo está errado
Fonte: Nozick, R. (1974). Anarchy, utopia, and the state. New York: Basic Books.
A criança no poço
O experimento: Mengzi considera o caso de uma criança que está prestes a cair em um poço. Sem exceção, as pessoas ficam alarmadas e nervosas vendo essa situação. Isso não acontece pois queremos cair nas graças dos pais, elogios dos vizinhos, porque você não gosta de choro de criança, ou mesmo porque sua reputação iria sofrer caso você não ajudasse a criança. A conclusão de Mengzi é que a compaixão é um sentimento fundamental aos seres humanos.
Significado: Mengzi foi um filósofo que viveu na China no século IV AC, que seguiu as tradições de Kongzi (Confucius). Ele desenvolveu a teoria de que os seres humanos possuem quatro raízes de moralidade: ren (humanidade, compaixão), yi (senso de certo e errado), li (propriedade de rituais), e zhi (sabedoria).
Essas raízes estão presentes em todos nós, mas elas precisam ser cultivadas para crescer e florecer, assim como as plantas precisam de água. Esse experimento explora a ideia de que os humanos possuem compaixão inata, ou seja, possuem ren.
Fonte: Mengzi. (2008/4th century BCE). Mengzi: With selections from traditional commentaries (trans. B. Van Norden). Indianapolis: Hackett.
A Bela Adormecida
O experimento: A Bela Adormecida participa de um experimento, onde os pesquisadores a colocam para dormir. A cada vez que ela acorda, ela será colocada novamente para dormir e tomara um medicamente que a fará esquecer tudo o que viveu enquanto acordada. Quando ela acorda, uma moeda é virada. Se dá coroa, ela será brevemente acordada segundas e terças, se dá cara, ela será acordada apenas na segunda. Quando ela acorda na segunda, sem saber que dia é, qual é a chance de ela saber que saiu coroa na moeda?
Significado: poderíamos pensar que a chance de a moeda dar cara é ½, pois a chance é de dar cara ou coroa, e a Bela Adormecida não recebe nenhuma informação nova. Porém, Adam Elga acredita que a chance dela é 1/3, pois ela não sabe se é segunda ou terça. Quando ela acorda, pode tanto ter saído coroa e ser terça, coroa e ser segunda, ou cara e ser segunda. Logo, a chance de ter saído cara na moeda é de 1/3.
Fonte: Elga, A. (2000). Self‐locating belief and the Sleeping Beauty problem. Analysis, 60, 143-147.
Otto e Inga visitam um museu
O experimento: Otto e Inga queriam visitar o Museu de Arte Moderna. Otto tem Alzheimer, e consulta um caderno que ele sempre carrega consigo. Esse caderno tem o mesmo papel que uma memória biológica, que o diz que o Museu é na 53ª rua, enquanto a memória biológica de Inga conta a mesma informação. Poderíamos dizer que Inga tem uma crença intrínseca sobre a localização do Museu antes de consultar sua memória biológica. Mas e Otto? Apesar de não estar gravada no seu cérebro, e sim no seu caderno, podemos dizer que a anotação de Otto sobre a localização do Museu é uma crença?
Significado: Os pensamentos são apenas coisas que acontecem na nossa cabeça, ou também no mundo? Parece que nesse caso o caderno do Otto funciona exatamente da mesma forma que o cérebro de Inga. Então, se chamamos a memória de Inga sobre a localização do Museu uma crença, deveríamos chamar a anotação de Otto de memória, mesmo não estando em seu cérebro. Pode-se dizer que essa não é uma crença, pois alguém poderia modificar as anotações do caderno, ou mesmo roubá-lo. Mas o cérebro de Inga também pode ser afetado, por exemplo, quando ela bebe.
Fonte: Clark, A., & Chalmers, D. (1998). The extended mind. Analysis, 58, 7-19.
O jardineiro invisível
O experimento: Duas pessoas voltam a cuidar do seu jardim esquecido. Apesar do jardim parecer selvagem, ainda existem muitas flores no local. Uma delas fala “Deve ter um jardineiro por aqui”, e a outra responde “Eu não acho”. Para ver quem está correto, eles examinam o jardim cuidadosamente e perguntam aos vizinhos, que nunca viram ninguém trabalhando. Eles ainda pesquisam o que acontece com jardins abandonados. “Viu”, diz o cético, “não existe nenhum jardineiro”. O crente responde “O jardineiro é invisível, e se procurarmos cuidadosamente veremos pistas de que ele vem, sem ser visto e sem ser ouvido”. A outra pessoa reafirma que não tem nenhum jardineiro. Pode essa disputa ser resolvida?
Significado: É bem claro que essa é uma analogia sobre a existência de Deus e como um religioso e um ateísta percebem a situação de forma diferente. A pergunta é até que ponto podemos ver algumas faces da realidade como provas a favor ou contra a existência de Deus? É realmente uma disputa sobre fatos, ou duas formas diferentes de ver o mundo, como se vê um jardim ou uma floresta?
Fonte: Wisdom, J. (1944/45). Gods. Proceedings of the Aristotelian Society, 45, 185-206.
O nobre russo
O experimento: Um nobre russo jovem e idealista pretende dar suas posses aos plebeus quando herdá-las. Ele sabe que seus ideias podem se enfraquecer, portanto, ele coloca suas intenções em um documento legal que pode apenas ser revogado por sua esposa, e ele a pede que prometa não permitir caso ele mude de ideia mais tarde. Ele ainda diz que esses ideias são essenciais para ele, e que se ele perder esses ideias, ele pensará que não existe mais. Agora pense que, mais velho, o nobre realmente pede à mulher que anule o documento. O que ela deveria fazer?
Significado: Esse é um problema sobre identidade pessoa. Seria o velho russo o mesmo que o jovem homem? Deveria sua esposa ser libertada de sua promessa?
Fonte: Parfit, D. (1984). Reasons and persons. Oxford: Oxford University Press.
O homem flutuante
O experimento: Esses experimento aparece em muitos dos escritos de Ibn Sina (Avicenna). Nós devemos imaginar um homem que nasceu como um adulto, do nada, então ele não tem memórias. Ele está flutuando no ar, com os olhos fechados, e não ouve nada. Seus braços e pernas estão afastados, então ele também não sente o próprio corpo. A pergunta é: estaria esse homem consciente de si mesmo?
Significado: A questão posta por Avicenna tem relação com o fato de que não sabemos se somos o mesmo que os nossos corpos. Avicenna pensa que não, pois esse homem estaria consciente de algo. Não pode ser nenhuma experiência corpórea, e ele não tem memórias. Portanto, a consciência deve ser da sua alma.